<i>Drones</i> e direitos humanos

Luís Carapinha

As listas de assassinatos são previamente aprovadas

Com Obama na presidência dos EUA os mecanismos da guerra encoberta adquiriram acentuada dimensão na cadeia belicista da grande potência imperialista. O aprofundamento da crise sistémica e o pesado fardo das guerras no Iraque e Afeganistão agravaram o endividamento estadunidense e colocam praticamente como incontornável a redução de fundos do Pentágono. A actualização da estratégia militar dos EUA com maior pendor para as tecnologias da chamada guerra inteligente faz parte dos esforços de readequação para manter incólume a agenda hegemónica dos círculos dirigentes de Washington, a maior ameaça à segurança internacional. Ao seu abrigo, diariamente, aparelhos aéreos não tripulados, vulgarmente conhecidos como drones, disparam furtivamente mísseis sobre «alvos» seleccionados na Ásia Central, Península Arábica, Médio Oriente, Corno e Norte de África. Clamorosa violação do direito internacional e dos princípios da soberania e integridade territorial dos estados em nome do «combate ao terrorismo». As listas de assassinatos são previamente aprovadas ao mais alto nível da liderança norte-americana. Aparelhos Predator e Reaper da CIA e Pentágono comandados a milhares de quilómetros do «teatro de operações» executam as matanças sob o eufemismo de operações militares especiais. Ninguém saberá ao certo o número de vítimas destes ataques de pirataria que ostensivamente não poupam as populações. Mas fontes insuspeitas de anti-americanismo calculam que mais de 3000 seres humanos foram mortos ao longo da última década.

Nada capaz de abalar o coro enfartado de apóstolos do pensamento único e os supremos valores da liberdade, democracia e… direitos humanos.

 

Mesmo gozando da impunidade dos poderosos e da benevolência da comunicação social é impossível manter na penumbra a utilização do terrorismo de Estado ao mais elevado grau. A ONU abriu um inquérito que levará à apresentação de um relatório na Assembleia Geral. A iniciativa terá partido do Paquistão, Rússia e China. A investigação centra-se em ataques com drones no Afeganistão, Paquistão, Iémen, Somália e Palestina realizados pelos EUA, Reino Unido e Israel. Além da violação dos direitos de soberania, os dados do relatório em curso evidenciam a existência de crimes de guerra que incluem ataques deliberados contra equipas de salvamento e funerais. Não se deve esperar, no entanto, que a investigação da ONU possa conduzir ao apuramento final e cabal de responsabilidades.

 

Enquanto no centro capitalista aumentam a pobreza e o descontentamento social, a nova doutrina belicista dos EUA favorece cada vez mais a deslocação de contingentes militares especiais e a realização de uma gama de acções tácticas com efeitos profundos, de ordem estratégica. É sintomático que em 2012 o chefe do Comando de Operações Especiais dos EUA tenha proposto montar operações secretas com cadeias de comando flexíveis – com o poder de passar ao lado dos circuitos formais de aprovação no próprio Pentágono – em todo o mundo e designadamente em África, Ásia e América Latina. Simultaneamente, os EUA projectam a capacidade articulada da NATO em zonas nevrálgicas do planeta, indispensáveis à manutenção do domínio dos grandes grupos económico-financeiros e à realização básica do circuito espoliador de apropriação e acumulação capitalistas. Através do eixo transatlântico e o recurso a alianças estratégicas (casos da Austrália e Japão), instala-se o escudo global antimíssil visando anular o poder nuclear dissuasor da Rússia e da China, que os tornaria vulneráveis à ameaça de um ataque demolidor. Ao som dos tambores da guerra, a mancha desestabilizadora do Grande Médio Oriente penetra as fronteiras do Sahel e no coração da Ásia aguarda-se as réplicas da Primavera Árabe.

São sérias as ameaças à paz mundial. Mas nem a barbárie, nem a tentativa de moldar um novo paradigma explorador e repressivo poderão iludir a trajectória decadente do capitalismo e travar o ascenso da luta combinada por um mundo melhor.



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